O Opinacio - Para Todos os Opinas

Um blog. Alguém me disse para fazer um blog. O que é isso de um blog? Vou ver o que é um blog. Fiz um blog. Aqui está o opinacio - para todos os opinas.

Monday, December 05, 2005

S.Paulo - Diário de um Conto


A Praça de S.Paulo entre o Mercado da Ribeira e a Bica fecha-se sobre si mesma entre ruas sujas e estreitas. Este local não faz parte da Lisboa desaparecida, turística ou de fim-de-semana. Este local integra-se na Lisboa triste e sombria, aquela que se desconhece ou não se quer conhecer.
Se outrora esta área tinha movimentos dinâmicos intensos, sofrendo a influência positiva da Baixa, hoje com a falência de algumas empresas e o envelhecimento da população residente, apenas restam memórias dos tempos aureos, tempos que ser perderam no corredor da História.
A praça de S.Paulo doente e envelhecida não consegue lutar contra forças desagregadoras e marginalizantes. Todo o cenário é a preto e branco ou talvez cinzento. Os prédios devolutos e degradados extravasam o abandono. Um abandono que transparece nos idosos que apenas aguardam sentadas nos bancos mais um fim do dia. Aqui, não há jogos de cartas ou discussões sobre futebol, apenas o silêncio que é quebrado pelo eléctrico ou por um carro mais apressado.
Do lado oposto prostitutas e potenciais clientes fazem pequenos jogos imperceptiveis ao mais comum dos visitantes. A marginalização estende-se até aos sem abrigo que devaneiam ausentes a todo esta panóplia de movimentos.
De vez em quando grupos de africanos ou casais de meia-idade passam apressados sem se quer olharem em redor, imunes a uma realidade que lhes é indiferente. Agem como se houvesse uma barreira ou tudo lhes fosse invisível.
A Igreja de S.Paulo adormecida, parece esconder-se com as portas entreabertas, aguardando certamente que alguém entre e a descubra. O quiosque em frente, com as portas trancadas, espera por amanhã, para dar as notícias aos visitantes que por ali passam, parecendo ser o único elo de ligação com a azáfama da cidade.
Estes grupos e elementos são os moradores da praça, tudo os afasta e os aproxima. Se à primeira vista tudo parece singular, homogeneo, com uma observação mais atenta desvendam-se núcleos opostos, elementos que não se relacionam entre si, mundos contrários que apenas usufruem o mesmo espaço preenchido pela heterogeneidade de pessoas e movimentos.

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O Cacilheiro – Diário de um Filme

Câmara ao ombro…
Chegámos a Cacilhas pela manhã, eram sete e tal e corria uma chuva miudinha, molha tolos. À nossa frente vislumbrava-se o cais. Um enorme rectângulo metálico avermelhado. Lá dentro um espaço contíguo, onde as bilheteiras, tipo caixote, dividiam o espaço com corredores de lojas perfumadas com sabores doces, aroma a café e notícias frescas. As parcas cadeiras teimavam, por ora, em ficar vazias. O barco partira há pouco e o próximo, segundo o painel electrónico, seria às 8.20h. Uma boa hora para partirmos, sim senhor!
A calma aparente foi interrompida por magotes de gente provenientes de todas as direcções largadas por camionetas em fim de vida.
Faltavam poucos minutos para a partida e decidimos entrar no “Carnide”. O amigo Carnide era um barco robusto, tricolor, imperial. Lá dentro, o tempo tinha deixado as suas marcas: as paredes cansadas, as cadeiras gastas, a tinta com rugas, indiciavam uma vida de trabalho. Apesar disso não deixava de ser o majestoso Carnide.

Ao longe avistava-se uma Lisboa adormecida, triste. O imponente Terreiro do Paço parecia querer-nos abraçar. A cidade parecia imóvel. Lisboa vista da margem esquerda do rio Tejo, era na realidade a Lisboa dos postais, limpa, serena, senhora de si. Que bom ver Lisboa assim!

O Filme…
A acção move-se entre uma Cacilhas desconhecida e uma Lisboa imaginada. Entre ambas, há um rio. Um rio que as une e as separa. No seio do rio, nas águas trémulas e turvas deambula um palco suspenso: o cacilheiro. Os actores, esses, são as pessoas que vestem personagens invulgares ou vulgares e coloridas. A travessia do Tejo cria no actor mais comum um misto de danças, códigos e comportamentos próprios.
De margem em margem, o cacilheiro carrega e descarrega magotes de gente apressada e apertada pela hora. Um vaivém constante, rotineiro, talvez perturbante que se fixa na imagem. Movimentos mecânicos e acertados que se perpetuam no olhar, na cor e na forma. No interior, entre as paredes cansadas e o barulho constante do motor, o tempo não passa. A calma aparente está marcada em cada movimento, em cada gesto.
O rio, as ondas, o cacilheiro, as pessoas, constituem planos de acção singulares. São viagens constantes num mar de universos que se tocam e emergem.
Ponte de transição entre dois mundos urbanos, o rio permite a apropriação deste espaço de um modo particular, parecendo que se articulam forças opostas que se cruzam num único ponto: o cacilheiro.
Por um lado a travessia do Tejo surge como um elemento de continuidade de toda uma série de preparativos ao início do dia. Desde o autocarro que se apanha, à bica que se toma na estação. Todos os sinais indiciam uma ideia de continuidade, um sentimento de pertença.
Por outro lado, parece surgir com a travessia (cacilhas-c.sodré) uma entidade própria e demarcada com comportamentos e usos diferenciados. Comportar-se-á o rio como um não-lugar, isento de referências e identidade para as pessoas? Despertará esta viagem emoções distintas de outros meios de transporte?
O filme é um relatório de sensações, de olhares e de vivências. Uma outra visão sobre a outra margem. Um livro de imagens para ver e ler.

História de um filme de Fernando Gomes e João Vasconcelos

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Thursday, September 22, 2005

O Regresso dos Heróis

Major Valentão
Em Gondomar sou rei e senhor. Sou dono da câmara, mando no clube de futebol e tenho uma loja de electrodomésticos. No Porto sou rei e senhor. Mando no Metro, sou empreiteiro e jogador de casinos na Liga de Clubes. Gosto de charutos e a mim ninguém me apanha!

Avelino Megalómano
Em Marco de Canaveses sou rei e senhor. Tenho o meu nome em todas as avenidas, ruas e praças, tenho um estádio de futebol e um mercado. Os meus hobies são o karaté, alterar o PDM em meu benefício, bater nos meus adversários e utilizar funcionários da câmara para trabalhar na minha mansão. Gosto do Big Brother e a mim ninguém me apanha!

Nossa Senhora de Felgueiras
Em Felgueiras sou Nossa Senhora. Ao meu santuário peregrinam milhares de pessoas. Faço milagres. O povo gosta de mim. Gosto de sacos de todas as cores. Gosto de Ipanema e a mim ninguém me apanha!

Isaltino Cabalas
Em Oeiras fui e sempre serei rei e senhor. Tenho uma grande obra. Bem sei que tenho processos em tribunal, mas o dinheiro não era meu. Era de um sobrinho taxista que vive num bairro social em Zurique. Eu só era o guardião do dinheiro. Não tenho culpa de confiarem em mim! Perguntem aos construtores civis quantas vezes guardaram avultadas somas em dinheiro no meu bolso? E olhem que os empreiteiros são desconfiados! Gosto de isaltinar e a mim ninguém me apanha!

Monday, September 19, 2005

Esta Lisboa que Amanhece

Lisboa da minha infância
Entre o estuário e o oceano vê-se a cidade de Lisboa. Poucas cidades no mundo têm esse privilégio. A olhar para o Atlântico e a sorrir para o Tejo, Lisboa é uma cidade única. Lisboa é a cidade eterna de Ulisses, de Camões e de Pessoa. Lisboa é a cidade eterna de D. Fernando, do Marquês de Pombal, de Duarte Pacheco, de Pardal Monteiro e de Cassiano Branco. É a cidade eterna de todos nós.
Lisboa fica na memória. Lembro-me de navegar por essas ruas com os meus amigos de bicicleta e de descobrir cada canto, cada esquina, cada pessoa.
Essa Lisboa do imaginário que se perpetua na minha memória. A Lisboa do Largo de S.Paulo, da Bica, do Bairro Alto, de Alfama, do Castelo, das Avenidas Novas, do Bairro Azul, de Alvalade. Essa Lisboa multifacetada de gente, de costumes, de saberes, de cheiros e vivências. Essa Lisboa que eu descobri e vivi. Essa Lisboa que ficou na minha memória.
Hoje, já não te consigo encontrar, talvez já nem te conheça.
Lisboa, tu que desapareceste e não nos disseste nada. Foste embora como um filho que sai de casa dos pais para nunca mais voltar. Para onde foste?

Os Números do Desassossego
A cidade de Lisboa com cerca de 84 km2 e 565 mil habitantes é o pólo centralizador da Área Metropolitana (AML) com cerca de 3120 km2 e mais de dois milhões e meio de habitantes. Ao nível do emprego, há um predomínio da oferta na cidade de Lisboa, que absorve 365 mil empregos de um total de cerca de 710 mil pessoas empregadas na AML.
Nos últimos dez anos a cidade de Lisboa perdeu cerca de 120 000 habitantes, sendo que o saldo migratório e o saldo natural foram negativos (-10% e -5%, respectivamente).
Diariamente entram na cidade cerca de meio milhão de automóveis.
Na AML efectuam-se diariamente cerca de quatro milhões de deslocações, das quais três milhões são motorizadas. A utilização do sistema de transporte público tem registado uma evolução negativa.
Os níveis de reabilitação e requalificação urbana da cidade são os mais baixos da União Europeia (UE). Em contraponto, os níveis de construção nova são os mais elevados da UE.

Estrada Perdida
Actualmente a Câmara Municipal de Lisboa (CML) encontra-se mergulhada num défice inimaginável, fala-se em 100 milhões de euros. As empresas públicas camarárias (EPUL, EGEAC, EMEL, etc.) são sorvedouros de dinheiros públicos e poisos de administradores partidários que entregam o bem público a interesses privados. Veja-se a cedência de terrenos públicos aos clubes de futebol (Benfica e Sporting), a autorização da construção e instalação de bombas de gasolina, por sinal de clubes de futebol, em plena zona residencial (Galp Lumiar) que implicou a destruição de equipamentos desportivos para a população, equipamentos construídos com dinheiro público cedidos para exploração ao desbarato a privados (Clube Faia em Telheiras), o péssimo negócio Parque Mayer/Feira Popular, o buraco financeiro da EMEL…a lista é interminável.
O Túnel do Marquês e a famigerada requalificação do Parque Mayer são casos paradigmáticos daquilo que é hoje a gestão da cidade de Lisboa. Uma gestão errática, sem planeamento, sem ordenamento, sem visão, sem resolver os problemas estruturais da cidade.

A Leste do Paraíso
A requalificação e reabilitação urbana não existem. Lisboa tem mais idosos e menos jovens. Lisboa perde população. O estacionamento é anárquico. O trânsito é caótico. Lisboa tem mais automóveis a circular. Lisboa não tem um sistema de transportes integrado com a AML e o existente não responde às necessidades da população residente e pendular. Os espaços verdes, equipamentos sociais e desportivos estão destinados ao abandono. A poluição do ar tem aumentado a níveis preocupantes (o eixo Avenida da Liberdade/Campo Grande é o dos mais poluídos da Europa).
O centro de Lisboa tem um parque habitacional velho, degradado desprovido de pessoas, munido de pobreza. Contudo, assiste-se a uma nobilitação urbana no centro da cidade, onde crescem isoladamente condomínios privados de luxo. Paradoxalmente, no centro da cidade vivem os mais pobres e os mais ricos.
Nos limites da cidade, os patos-bravos apoderam-se do território. A construção é desordenada, de qualidade duvidosa e a preços proibitivos para a classe média. Chega-se ao ponto de vermos prédios de luxo implantados em ruas que parecem saídas de uma qualquer rua de Bucareste ou de Nova Deli.
Vivemos numa cidade segregada, retalhada em pequenos pedaços. Lisboa está sem defesas e sem rosto. Foi tomada de assalto. Os cidadãos ficaram prisioneiros numa cela sem grades. À deriva num oceano sem água.

Uma História Simples
A Lisboa da minha memória não é a Lisboa ideal. A Lisboa da minha infância não é certamente um postal turístico. A Lisboa que eu desejo não é certamente irreal.
O sonho da minha Lisboa é uma cidade onde os cidadãos sejam actores principais e possam decidir, construir e viver a cidade. Uma cidade que seja sustentável. Uma cidade que deixe respirar e seja ordenada.
Em tempo de eleições, aqui ficam os meus sonhos e projectos estruturais que gostaria de ver realizados nos próximos dez anos:

- Gestão do território mais eficaz com a reestruturação das unidades administrativas (juntas de freguesia), passando haver áreas de intervenção territoriais (divisão do território em unidades maiores); Extinguir as empresas municipais;
- Apostar seriamente na reabilitação urbana, principalmente no centro histórico. Arrendamento a custos controlados para os jovens. Apostar na requalificação urbana das áreas degradadas, nomeadamente no eixo Martim Moniz/Intendente/Almirante Reis; Cais do Sodré; Baixa.
- Sistema Integrado de Transportes da AML; sistema de transportes integrando eléctricos rápidos e metro entre a cidade e a periferia complementados com autocarros de ligação no interior da cidade;
- Construção de silos automóveis no centro da cidade; Construção de parques automóveis na entrada da cidade com custos reduzidos para o utilizador; criação de passes integrados entre transportes e estacionamento.
- Corredores verdes nos principais eixos da cidade. Preservação dos logradouros; Manutenção efectiva dos espaços verdes existentes;
(…)

As ideias que aqui lanço são de um cidadão preocupado com a cidade e que a gostaria de viver. A cidade para os cidadãos. A cidade virada para o futuro.

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